A Independência do Habite-se e os Efeitos da Usucapião Extrajudicial sobre Ônus e Gravames
O procedimento de usucapião extrajudicial trouxe uma alternativa eficiente e célere para a regularização de imóveis, consolidando a propriedade de quem exerce posse prolongada, contínua e com animus domini. Contudo, algumas questões importantes surgem durante o processo, como a necessidade (ou não) de apresentação do Habite-se e o impacto da usucapião sobre graves e restrições administrativas.
A Dispensa do Habite-se na Abertura de Matrícula
No contexto do Provimento 149 do CNJ , o § 3.º do art. 417 estabelece que:
A abertura de matrícula de imóvel edificado será independente da apresentação de habite-se.
Isso significa que, para imóveis edificados cuja averbação ainda não consta da matrícula, não é necessário apresentar o Habite-se, documento emitido pela prefeitura que comprova que a edificação atende às normas legais e regulamentares.
Essa previsão visa desburocratizar o processo e permitir que a regularização fundiária ou individual aconteça mesmo em situações em que o Habite-se não foi obtido, valorizando o direito à moradia e a regularização da propriedade.
A Usucapião e os Ônus Existentes na Matrícula
Outro aspecto fundamental é o impacto da usucapião sobre gravames judiciais ou restrições administrativas. O art. 418 do Provimento 149 esclarece que:
O reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritas.
Em outras palavras, mesmo após o reconhecimento da usucapião, os ônus existentes na matrícula, como penhoras, hipotecas ou restrições impostas por entes públicos, permanecem ativos até que sejam cancelados por quem os instituiu.
Como proceder para cancelar os Gravames
- Peticionamento Direto: Cabe ao requerente formular um pedido de cancelamento diretamente à autoridade que determinou o gravame ou a restrição.
- Por exemplo, uma penhora judicial só poderá ser cancelada mediante ordem do juiz que a decretou.
- Restrições administrativas, como embargos ou notificações urbanísticas, devem ser solucionadas junto ao órgão responsável (prefeitura, órgãos ambientais, etc.).
- Anuência no Procedimento de Usucapião: O § 2.º do art. 418 também permite que entes públicos ou credores manifestem anuência expressa à extinção de gravames no próprio procedimento de usucapião, agilizando o processo.
Reflexões Práticas
Regularização Edilícia e Patrimonial
A dispensa do Habite-se não elimina a importância da regularização das edificações, especialmente em relação às normas urbanísticas e de segurança. Após a conclusão do processo de usucapião, o novo proprietário deverá avaliar a possibilidade de obter o Habite-se ou atender a outras exigências administrativas para regularização plena do imóvel.
Ônus Persistentes
Embora a usucapião não extinga automaticamente os gravames, o reconhecimento de propriedade por meio do procedimento extrajudicial fortalece a posição do possuidor ao negociar com credores ou autoridades administrativas para viabilizar o cancelamento.
Conclusão
A dispensa do Habite-se no procedimento de usucapião e a permanência de registros na matrícula refletem o equilíbrio entre a desburocratização e o respeito aos direitos de terceiros e normas administrativas.
Enquanto a usucapião consolida o direito de propriedade de quem detém a posse transferida, ela não cancela as obrigações ou restrições preexistentes. Por isso, é essencial que o requerente esteja atento às exigências posteriores ao reconhecimento da usucapião, garantindo a plena regularização do imóvel tanto no registro de imóveis quanto perante as autoridades competentes.
Esse modelo confirma a importância do diálogo entre os direitos individuais e os interesses coletivos, reforçando o papel da usucapião como ferramenta para o acesso à propriedade, mas sem negligenciar a segurança jurídica e os compromissos legais.