Justo Título (Art. 1.242. CC) – Usucapião – Adjudicação

Justo Título e Usucapião: A Proteção Contra a Burla ao Procedimento Adequado

O Provimento nº 149 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece normas previstas para a regularização de imóveis e a aplicação de usucapião, proporcionando mecanismos de simplificação e segurança jurídica no processo extrajudicial. Contudo, um ponto crítico tratado no art. 410 do provimento é a exigência do “justo título”, que visa garantir que a usucapião não seja utilizada como uma forma de burla aos procedimentos legais propostos para a regularização de bens ( compra e venda, inventário ).

O Conceito de Justo Título no Art. 410

O conceito de “justo título” para efeitos de usucapião, conforme o Provimento nº 149 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), refere-se a um instrumento jurídico que demonstra a existência de uma relação jurídica válida entre o requerente da usucapião e o registro titular do imóvel.

Em determinados casos, a análise detalhada do justo título apresentado no procedimento de usucapião pode revelar que, ao invés de recorrer à usucapião, a adjudicação extrajudicial é o meio mais adequado e eficiente para regularizar a situação do imóvel. Esse cálculo decorre da constatação de que o justo título, se devidamente verificado e validado, pode indicar uma relação jurídica pré-existente com o imóvel, que, se devidamente formalizada, possibilita a adjudicação.

A adjudicação extrajudicial, como instrumento eficaz de regularização de bens, pode ser uma alternativa, especialmente quando o justo título demonstra uma transação legítima, mas com obstáculos administrativos ou legais que impedem a formalização imediata do registro. Nos casos em que a escritura pública não foi lavrada ou a partilha de bens não foi registrada, a adjudicação extrajudicial pode ser o procedimento que resolve a pendência, desde que o título seja devidamente aplicado.

Exemplo de Adjudicação Extrajudicial Baseada em Justo Título

Um exemplo típico seria o caso de um imóvel que foi adquirido por meio de uma promessa de venda ou cessão de direitos, mas que, por algum motivo, não foi formalmente registrado. Se o proprietário do imóvel apresentar um título justo, como um compromisso de compra e venda devidamente quitado, acompanhado de certidão de distribuição cível que comprove a inexistência de litígios, o registrador poderá verificar se a adjudicação extrajudicial é uma solução adequada.

Nesse caso, ao invés de esperar o tempo necessário para a usucapião ou lidar com eventuais dificuldades no processo judicial, a adjudicação extrajudicial permite que o imóvel seja transferido diretamente ao nome do requerente, uma vez que todos os requisitos legais e formais para a aquisição do bem foram cumpridos.

Os exemplos de títulos considerados “justos” são variados e incluem documentos que evidenciam uma transação válida e regularizada entre as partes. O artigo enumera uma série de documentos que podem ser usados ​​como título justo, como:

  • Compromisso ou recibo de compra e venda.
  • Cessão de direitos e promessa de cessão.
  • Pré-contrato ou proposta de compra.
  • Reserva de lote com informações claras sobre a transação.

Esses documentos, quando preenchidos corretamente, devem ser acompanhados de provas de quitação das obrigações e de certificados do distribuidor cível que atestam a inexistência de ações judiciais que envolvam o imóvel.

A Usucapião Como Meio de Burla ao Procedimento Adequado

O § 2º do art. 410 do Provimento nº 149 destaca a necessidade de especificação de qualquer obstáculo à escrituração correta das transações realizadas. A intenção é evitar que a usucapião seja utilizada como uma forma de burla aos requisitos legais do sistema notarial e registral, ou para driblar os impostos de impostos de transmissão sobre os negócios imobiliários.

Um exemplo claro de quando a usucapião não pode ser utilizada para burla ao procedimento adequado é o caso em que o inventário de bens imóveis não foi levado ao registro. Se um imóvel pertence a uma herança e a partilha não foi devidamente registrada, não é legítimo utilizar a usucapião para regularizar a situação do bem, uma vez que o procedimento adequado seria o registro do inventário e a devida formalização da partilha de bens. A usucapião não pode substituir o cumprimento das exigências legais para a transferência formal de propriedade, como o recolhimento do ITCMD.

A análise do justo título no processo de usucapião pode, portanto, não apenas garantir a regularização da posse, mas também viabilizar outras formas de regularização, como a adjudicação extrajudicial. Quando o título apresentado comprova a legitimidade da relação jurídica sobre o imóvel, o procedimento de adjudicação se torna uma alternativa eficiente e célere, permitindo a regularização da propriedade sem a necessidade de litígios ou tramitações prolongadas.

O Papel do Registrador

O registrador e o tabelião, conforme estipulado pelo provimento, tem o dever de alertar o requerente e as testemunhas sobre os riscos da declaração falsa na justificação do óbice à escrituração. Caso se constate que o requerente está utilizando a usucapião como meio de contornar os processos legais de registro e tributação, o procedimento pode ser questionado e até invalidado.

O objetivo do sistema notarial e registral é garantir a segurança jurídica e a transparência das transações imobiliárias. A usucapião, portanto, não pode ser usada como um atalho para regularizar bens que, na verdade, exige um procedimento formal e regular, como a doação, a compra e venda, ou, como no exemplo citado, a conclusão do inventário e o devido registro da partilha.

Conclusão

O Provimento nº 149 do CNJ estabelece diretrizes claras sobre o uso da usucapião, sempre com a intenção de preservar a segurança jurídica e evitar fraudes. O conceito de “justo título” garante que a usucapião seja um recurso legítimo, utilizado apenas quando as condições legais forem atendidas e quando não houver outro meio viável de regularização do imóvel. Isso significa que a usucapião não pode ser utilizada para burlar os requisitos do sistema notarial e registral, como no caso de um inventário não registrado. O procedimento adequado deve sempre ser seguido, e o papel do registrador é crucial para garantir que a usucapião não seja usada de maneira indevida.

DISPOSITIVOS

Art. 410. Considera-se outorgado o consentimento exigido nesta Seção, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até 30 dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

§ 1.º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o caput:

I — compromisso ou recibo de compra e venda;

II — cessão de direitos e promessa de cessão;

III — pré-contrato;

IV — proposta de compra;

V — reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar;

VI — procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel;

VII — escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; e

VIII — documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.

§ 2.º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

§ 3.º A prova de quitação será feita por meio de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou de recibo assinado pelo proprietário com firma reconhecida.

§ 4.º A análise dos documentos citados neste artigo e em seus parágrafos será realizada pelo oficial de registro de imóveis, que proferirá nota fundamentada, conforme seu livre convencimento, acerca da veracidade e idoneidade do conteúdo e da inexistência de lide relativa ao negócio objeto de regularização pela usucapião.

Professor Gilberto Netto