Em um passo decisivo rumo à consolidação da desjudicialização no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 4 de junho de 2025, o Provimento nº 196, que entrou em vigor com sua publicação no Diário da Justiça Eletrônico no dia 5 de junho. A norma regulamenta os procedimentos extrajudiciais de busca e apreensão e de consolidação da propriedade fiduciária de bens móveis, nos termos das recentes alterações promovidas pela Lei nº 14.711/2023, que modificou substancialmente o Decreto-Lei nº 911/1969, conhecido por disciplinar a alienação fiduciária em garantia.
Com isso, passa a ser possível que o credor fiduciário execute diretamente, perante o Ofício de Registro de Títulos e Documentos (RTD), os atos de recuperação do bem alienado fiduciariamente, sem necessidade de ação judicial, desde que observadas as exigências legais e contratuais, especialmente quanto à mora do devedor e à notificação prévia. O provimento representa um marco na sistematização nacional dessas medidas, antes dispersas e carentes de uniformidade.
Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça, trata-se de uma iniciativa que visa dar maior celeridade à solução de conflitos e reduzir os custos operacionais para os cidadãos, empresas e o próprio Poder Judiciário. A medida se insere em um contexto mais amplo de fortalecimento da via extrajudicial como instrumento legítimo e eficiente de composição e execução de obrigações, especialmente na seara patrimonial.
O provimento também reafirma garantias fundamentais do devedor, como a possibilidade de impugnação administrativa, o direito de reversão da consolidação mediante pagamento integral da dívida e a prerrogativa de acesso à via judicial, caso deseje questionar o procedimento.
Além de disciplinar os aspectos jurídicos, o Provimento nº 196 estabelece uma infraestrutura tecnológica obrigatória: o uso do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) e da Central RTDPJ Brasil, o que padroniza a atuação dos cartórios em todo o país, garante transparência, rastreabilidade e interoperabilidade entre instituições financeiras, entes públicos e os serviços notariais e registrais.
Ao promover segurança jurídica e previsibilidade aos agentes econômicos, o novo marco regulatório representa um impulso à concessão de crédito garantido, favorecendo operações com bens como veículos, máquinas, equipamentos e outros móveis sujeitos a identificação individualizada.
Neste artigo, analisamos os principais dispositivos do novo provimento, destacando os deveres do credor, os direitos do devedor, os pontos críticos para atuação da advocacia extrajudicial, e os impactos concretos no ambiente jurídico e econômico nacional.
1. Resumo
Publicada em 5 de junho de 2025, a norma inovadora da Corregedoria Nacional de Justiça – o Provimento nº 196/2025 – altera o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra) para instituir, de forma inédita, a execução extrajudicial da propriedade fiduciária e da busca e apreensão de bens móveis diretamente perante os Ofícios de Registro de Títulos e Documentos (RTD). Trata-se de um avanço relevante na consolidação da desjudicialização das garantias, com impacto direto na advocacia que atua na área cível e imobiliária.
2. Fundamento Legal e Contexto Normativo
A nova regulamentação foi baseada nas alterações introduzidas pela Lei nº 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias) ao tradicional Decreto-Lei nº 911/1969, que permitiu a via extrajudicial para a consolidação da propriedade e a busca e apreensão de bens móveis dados em garantia fiduciária.
A Corregedoria Nacional de Justiça, ao editar o Provimento 196/2025, promoveu a uniformização procedimental em todo o país, estabelecendo fluxos administrativos que garantem segurança jurídica, economicidade e celeridade às partes interessadas.
3. PASSO A PASSO – Procedimento Extrajudicial
Abaixo, sintetizamos os principais passos que advogados e credores deverão observar:
3.1. Requerimento Inicial (Art. 397-R a 397-T)
- Apresentação eletrônica via Central RTDPJ Brasil, sistema integrado ao SERP (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos).
- Documentação obrigatória: contrato, prova da mora (inclusive carta com AR), planilha da dívida, dados do credor, orientações para pagamento e entrega do bem.
3.2. Notificação do Devedor Fiduciante (Art. 397-V)
- Preferencialmente eletrônica. Caso não seja possível, via postal com AR.
- O devedor será intimado para: pagar, impugnar ou entregar voluntariamente o bem em 20 dias.
3.3. Impugnação e Resposta (Art. 397-X a 397-AE)
- O devedor pode apresentar impugnação limitada a erros no cálculo da dívida ou omissão de pagamentos realizados.
- O oficial pode instaurar mediação e decidir a impugnação administrativamente.
3.4. Consolidação da Propriedade e Busca e Apreensão (Art. 397-AF a 397-AJ)
- Não havendo pagamento ou impugnação, consolida-se a propriedade em favor do credor e inicia-se a busca extrajudicial.
- A diligência é realizada pelo oficial ou preposto do RTD, com registros fotográficos e certidões do ato.
3.5. Reversão da Consolidação e Venda do Bem (Art. 397-AK a 397-AM)
- O devedor poderá reverter a consolidação pagando tudo no prazo de 5 dias úteis após apreensão.
- Decorrido o prazo sem pagamento, o bem poderá ser vendido. Eventuais excedentes devem ser restituídos ao devedor.
4. Oportunidades para a Advocacia Extrajudicial
O novo provimento abre um nicho significativo para a advocacia preventiva e consultiva:
- Assessoria a instituições financeiras e empresas credoras na constituição de garantias com cláusulas executivas bem redigidas.
- Acompanhamento extrajudicial da execução da garantia fiduciária, atuando diretamente nos RTDs.
- Defesa de devedores, inclusive via impugnação administrativa ou judicial paralela.
- Ajuste e aditamento de contratos antigos que não preveem expressamente a via extrajudicial.
A advocacia passa a ocupar um espaço intermediário entre a via amigável e a litigiosa, com instrumentos jurídicos eficazes para recuperar bens com base em títulos contratuais extrajudicialmente executáveis.
5. Integração com a Tecnologia Registral
O provimento também estabelece uma robusta infraestrutura digital, obrigando a tramitação dos procedimentos via Central RTDPJ Brasil, integrada ao SERP. Isso implica:
- Maior rastreabilidade e transparência dos atos;
- Acompanhamento em tempo real dos procedimentos por advogados e credores;
- Comunicações automatizadas, com ganho de tempo e redução de litígios por nulidade de notificação.
6. Considerações Finais
O Provimento CNJ nº 196/2025 representa um divisor de águas na execução extrajudicial das garantias sobre bens móveis, atribuindo aos cartórios papel central no cumprimento de obrigações pactuadas. Ao advogado cabe atuar como articulador e garantidor da legalidade no novo processo extrajudicial, protegendo os interesses de seus clientes e contribuindo para a desjudicialização responsável e eficiente.
A entrada em vigor da norma impõe atualização urgente aos profissionais do Direito. Trata-se de uma nova arena para a advocacia extrajudicial estratégica e tecnicamente qualificada.
Por Professor. Gilberto Netto – Advogado especialista em Direito Notarial e Registral